A Vida Porca

  • Autor: Roberto Arlt
  • Editora: Relicário
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Sinopse

Os leitores e leitoras encontrarão nessa obra o relato da iniciação de um adolescente, Silvio Astier, no submundo portenho, zona cinzenta de uma sociedade em que a educação burguesa perdeu as suas cores luminosas. Astier e seus amigos leem livros baratos em traduções ruins, cometem crimes por meio dos quais ascendem à cultura letrada de que foram excluídos, falsificam, blasfemam, elaboram inventos precários, etc. O conjunto dessas características se potencializa nos romances posteriores de Arlt, Os sete loucos e Os lança-chamas. Tudo isso nos dá a chave para ler a literatura argentina como o invento de uma tradição da conspiração sobre o papel: o vínculo entre o delito e a poiseis, ou melhor, uma poiesis do delito bibliográfico. A forma precisa dessa equação está na frase de Astier: "Oh!, ironia, logo eu que havia sonhado ser um grande bandido feito Rocambole e um poeta genial feito Baudelaire!"

Quanto à tessitura narrativa, cabe dizer que A vida porca inovou ao dar corpo a uma espessura verbal até então ignorada na literatura argentina, a voz partilhada entre o espanhol rio-platense e a dicção dos imigrantes que passam a povoar o país vizinho a partir da virada do século XIX para o XX. O texto arltiano se escreve por meio da ausência das vozes daqueles homens e mulheres que falavam à Argentina por meio do desterro territorial e linguístico. No princípio do século passado, Buenos Aires é uma cidade cuja metade da população é constituída por gente estrangeira. A vida porca conforma, por tudo isso, um torvelinho babélico ao reunir ventos contrários a fim de aproximar Nossa América do mundo europeu. Será precisamente a essa dissonância verbal da língua moderna que recorrerá Arlt (ele mesmo filho da imigração) para plasmar a sua dicção literária.

A vida porca traz um balbucio profético de tudo isso que, hoje, escutamos nas melhores páginas da literatura argentina e para além dela. E é por isso que – apesar de ser um romance do princípio do século passado – poderá surpreender o público de nossos dias ao trazer consigo o ganho estético característico de todo texto literário que segue merecendo ser lido no tempo: a inesgotável superação da normatividade da língua a partir de seu mais íntimo estranhamento.